• 29 de Novembro de 2024

A paixão pela evangelização: o zelo apostólico do crente - 11. Testemunhas: os mártires

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!

Falando da evangelização e do zelo apostólico, depois de ter considerado o testemunho de São Paulo, verdadeiro “campeão” de zelo apostólico, hoje o nosso olhar dirige-se não para uma única figura, mas para o exército de mártires, homens e mulheres de todas as idades, línguas e nações, que deram a vida por Cristo, que derramaram o sangue para confessar Cristo. Depois da geração dos Apóstolos, foram eles por excelência as “testemunhas” do Evangelho. Os mártires: o primeiro foi o diácono Santo Estêvão, lapidado fora das muralhas de Jerusalém. A palavra “martírio” deriva do grego martyria, que significa precisamente testemunho. O mártir é uma testemunha, alguém que dá testemunho até derramar o sangue. No entanto, em breve o termo mártir passou a ser utilizado na Igreja para indicar quem dava testemunho até à efusão do sangue [1]. Ou seja, no início a palavra martyria indicava o testemunho dado todos os dias, mais tarde passou a ser usada para indicar quem dá a vida com a efusão.

Contudo, os mártires não devem ser vistos como “heróis” que agiram individualmente, como flores brotadas num deserto, mas como frutos maduros e excelentes da vinha do Senhor, que é a Igreja. Em particular, participando assiduamente na celebração da Eucaristia, os cristãos eram levados pelo Espírito a colocar a própria vida na base desse mistério de amor: ou seja, na constatação de que o Senhor Jesus tinha dado a sua vida por eles e, por conseguinte, também eles podiam e deviam dar a vida por Ele e pelos irmãos. Uma grande generosidade, o caminho do testemunho cristão. Santo Agostinho realça frequentemente esta dinâmica de gratidão e de reciprocidade gratuita do dom. Eis, por exemplo, o que ele pregava por ocasião da festa de São Lourenço: «São Lourenço era diácono da Igreja de Roma. Ali era ministro do sangue de Cristo e onde, pelo nome de Cristo, derramou o seu sangue. O beato apóstolo João expôs claramente o mistério da Ceia do Senhor, dizendo: “Cristo deu a sua vida por nós. Também nós devemos dar a nossa vida pelos irmãos” (1 Jo 3, 16). Irmãos, Lourenço compreendeu tudo isto. Compreendeu-o e pô-lo em prática. E retribuiu verdadeiramente o que tinha recebido naquela mesa. Amou Cristo na sua vida, imitou-o na sua morte» (Disc. 304, 14; pl 38, 1395-1397). Era assim que Santo Agostinho explicava o dinamismo espiritual que animava os mártires. Com estas palavras: os mártires amam Cristo na sua vida e imitam-no na sua morte.

Caros irmãos e irmãs, hoje recordemos todos os mártires que acompanharam a vida da Igreja. Como eu já disse muitas vezes, eles são mais numerosos no nosso tempo do que nos primeiros séculos. Hoje há muitos mártires na Igreja, numerosos, porque por confessarem a fé cristã são expulsos da sociedade ou vão para a prisão... São tantos! O Concílio Vaticano II lembra-nos que «o martírio, pelo qual o discípulo se torna semelhante ao mestre, que livremente aceitou a morte para a salvação do mundo, e a Ele se conforma no derramamento do sangue, é considerado pela Igreja como dom insigne e prova suprema de caridade» (Const. Lumen gentium, 42). À imitação de Jesus e com a sua graça, os mártires transformam a violência de quem rejeita o anúncio, em ocasião suprema de amor, que vai até ao perdão dos próprios algozes. Isto é interessante: os mártires perdoam sempre os algozes. Estêvão, o primeiro mártir, morreu rezando: “Senhor, perdoa-lhes, não sabem o que fazem!”. Os mártires rezam pelos algozes.

Embora só alguns sejam chamados ao martírio «todos, porém, devem estar dispostos a confessar a Cristo diante dos homens e a segui-lo no caminho da cruz no meio das perseguições, que nunca faltarão à Igreja» (ibid., 42). Mas, a perseguição é algo daquela época? Não, não: de hoje. Hoje há perseguições de cristãos no mundo, muitas, tantas! Há mais mártires hoje do que nos primeiros tempos. Os mártires mostram-nos que cada cristão é chamado ao testemunho da vida, até quando não chega à efusão do sangue, fazendo de si mesmo um dom a Deus e aos irmãos, à imitação de Jesus.

E gostaria de concluir, recordando o testemunho cristão presente em todos os cantos do mundo. Penso, por exemplo, no Iémen, uma terra há muitos anos ferida por uma guerra terrível, esquecida, que causou tantos mortos e ainda hoje faz sofrer tantas pessoas, especialmente crianças. Precisamente nessa terra houve testemunhos resplandecentes de fé, como o das irmãs Missionárias da Caridade, que ali deram a vida. Ainda hoje elas estão presentes no Iémen, onde oferecem assistência a idosos enfermos e a pessoas portadoras de deficiência. Algumas delas sofreram o martírio, mas as demais continuam, arriscam a vida, mas vão em frente. Recebem todos, de qualquer religião, porque a caridade e a fraternidade não têm fronteiras. Em julho de 1998, a Irmã Aletta, a Irmã Zelia e a Irmã Michael, a caminho de casa depois da missa, foram mortas por um fanático porque eram cristãs. Mais recentemente, pouco depois do início do conflito ainda em curso, em março de 2016, a Irmã Anselm, a Irmã Marguerite, a Irmã Reginette e a Irmã Judith foram mortas com alguns leigos que as ajudavam na obra de caridade no meio dos últimos. São os mártires do nosso tempo. Entre estes leigos assassinados, além dos cristãos, havia muçulmanos que trabalhavam com as religiosas. É comovedor ver que o testemunho do sangue pode aproximar pessoas de diferentes religiões. Nunca se deve matar em nome de Deus, pois para Ele somos todos irmãos e irmãs. Mas juntos podemos dar a vida pelos outros.

Portanto, oremos para não nos cansarmos de dar testemunho do Evangelho até em tempos de tribulação. Que todos os santos e santas mártires sejam sementes de paz e de reconciliação entre os povos, por um mundo mais humano e fraterno, à espera que se manifeste plenamente o Reino dos céus, quando Deus será tudo em todos (cf. 1 Cor 15, 28).

 

1) Orígenes, In Johannem, II, 210: «Quem quer que dê testemunho da verdade, seja por palavras ou obras, ou trabalhando de qualquer maneira a favor dela, pode chamar-se com razão testemunha. Mas o nome de testemunha (martyres) em sentido próprio, a comunidade de irmãos, impressionados pela força de espírito daqueles que lutaram pela verdade ou virtude até à morte, adquiriu o costume de o reservar àqueles que deram testemunho do mistério da verdadeira religião através da efusão do sangue».

Fonte: Vaticano

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