• 12 de Fevereiro de 2025

Ética e corpo para a humanização da inteligência artificial

Jornadas de Teologia na Universidade Católica Portuguesa (UCP) Jornadas de Teologia na Universidade Católica Portuguesa (UCP)

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Rui Saraiva - Portugal

Na semana passada decorreram de 3 a 6 de fevereiro, no Campus Porto da Universidade Católica Portuguesa (UCP), as Jornadas de Teologia dedicadas ao tema “Ciberteologia e Inteligência Artificial”.

As conferências de abertura estiveram a cargo do arcebispo D. Vincenzo Paglia, presidente do Pontifício Conselho para a Vida e do padre Andrea Ciucci, da Pontifícia Academia para a Vida.

Algorética ou ética da IA

A intervenção de D. Vincenzo Paglia foi sobre “A mudança de época e o desafio da inteligência artificial” e nela referiu o “Apelo de Roma para a Ética da Inteligência Artificial (IA)”, um documento pensado e promovido pela Pontifícia Academia para a Vida e, posteriormente, pela Fundação RenAIssance, criada pelo Papa Francisco em 2021 e que exige uma abordagem ética da IA.

O prelado assinalou que “no domínio da inteligência artificial, os progressos foram mais rápidos e generalizados do que se esperava” e lembrou o termo utilizado pelo Papa Francisco, “algorética, ou ética da inteligência artificial”.

“Queremos propor uma humanização da tecnologia” e a “algorética opõe-se à algocracia, que é o poder indiscriminado dos algoritmos”, afirmou.

Em declarações ao Vatican News, D. Vincenzo Paglia sublinhou a necessidade de envolver a política, a cultura, os intelectuais, as universidades e os diferentes grupos sociais numa visão comum sobre o tema da IA.

“Uma tecnologia que esteja ao serviço apenas do poder, pode ser, verdadeiramente perigosa. É preciso que a política, a cultura, os intelectuais, as universidades e os diferentes grupos sociais entendam de novo a responsabilidade de uma visão comum”, disse.

Para o arcebispo italiano neste esforço de análise crítica sobre a IA devem também ser envolvidas todas as áreas do saber, todas as ciências.

“Ou seja, todas as ciências, onde se inclui a teologia, a filosofia, a moral, mas também a música, a arte e a matemática, encontrem-se e juntas possam redesenhar o futuro do humano. Com a salvaguarda de todos, sobretudo dos mais pobres, de um excesso de poder de uma cultura tecnológica, de uma cultura mercantilista, de uma cultura soberanista”, referiu D. Paglia.

D. Vincenzo Paglia recordou que “nunca devemos esquecer que por trás de uma palavra como ‘perfil’ estão pessoas reais e não modelos matemáticos”. Assinalou os perigos da utilização sem critério do “reconhecimento facial” de dados pessoais.

“A nossa responsabilidade ética é incontornável”, afirmou. E nesta responsabilidade ética, a Igreja tem uma missão especial, um verdadeiro serviço para salvar o mundo, disse o arcebispo.

“Eu estou convencido que a Igreja deve redescobrir este seu serviço. Acho mesmo que o risco de ser demasiado autorreferencial, bloqueie aquela indicação do Papa Francisco que quer uma Igreja em saída. Isto é, uma Igreja que ajuda o Homem a permanecer humano. A Igreja hoje, mais do que salvar-se a si própria, deve salvar o mundo. Como diz o Evangelho “Deus amou tanto o mundo que lhe mandou o Seu Filho”. Deus ama tanto o mundo que manda a Igreja a salva-lo”, declarou.

Ainda sobre o “Apelo de Roma”, o arcebispo Paglia lembrou que as companhias Microsoft e IBM são signatárias deste documento e sublinhou que este é “um instrumento” que convoca “os diferentes atores para o desenvolvimento de uma ética da IA”.

Sem medo do futuro e com corpo no testemunho

Por sua vez, o padre Andrea Ciucci, apresentou uma conferência com o seguinte título em modo interrogativo: “O que é que a transição digital pede à Igreja?

O sacerdote de Milão começou por falar do medo da Igreja em relação à investigação científica, não obstante a grande “lista de monges, padres, freiras e irmãs que dedicaram a sua vida à investigação científica”.

Mas “a Igreja tem medo”, apontou. Ou seja, por vezes, “teme que, de algum modo, a investigação científica ponha em perigo a sua mensagem, minando a sua força, por vezes até o seu poder”, disse o padre Ciucci.

O sacerdote citou “o caso de Galileu”. “Perante Galileu e o seu telescópio, a Igreja tem medo, medo de perder um pouco de poder e de força.”

“Quando a Igreja tem medo, retrai-se, condena, nega, queima. Olha para o passado. Prefere suspender a sua investigação inteligente sobre as condições da realidade. Entrincheira-se atrás de dogmas que servem para fechar discursos, em vez de abrir novos discursos sobre bases sólidas”, declarou o sacerdote.

Afirmou que “a inteligência artificial impõe um novo olhar sobre o futuro” e alertou que a Igreja corre o risco de ser uma espécie de “agência do passado”. Para o padre Andrea Ciucci, a Igreja deve habitar o presente imaginando o futuro, não deixando de fazer memória do passado.

“A Igreja vive sempre assim: memória de um passado, não para o repetir, mas para habitar o presente e imaginar o futuro”, afirmou o sacerdote ao Vatican News.

Para o padre Andrea Ciucci, no âmbito das reflexões sobre este tema da IA é essencial voltar a refletir sobre o tema do corpo. Desde logo, porque a IA não tem corpo e “o pensamento humano tem sempre um corpo”.

E acrescentou: “Somos mais do que a nossa inteligência. Exatamente, somos corpo e sensibilidade e afetos e história e relações...”

Para o sacerdote, nesta “era da inteligência artificial, somos chamados a falar novamente de corpos, ou melhor, a valorizar os nossos corpos”, “porque a experiência cristã é a religião dos corpos”.

Porque “encontramos a nossa verdade no corpo ressuscitado de Cristo. Todos os domingos distribuímos e comemos o corpo de Cristo e, recitando o credo, afirmamos, não a imortalidade das almas, mas a ressurreição dos corpos”, disse o padre Ciucci.

Assim, uma Igreja entendida como Povo de Deus, como enuncia o Concílio Vaticano II, que vive mais em rede, será mais capaz de falar às novas gerações, declarou o sacerdote ao Vatican News.

“Somos Povo de Deus que é aquilo que o Concílio [Vaticano II] nos entrega e que creio seja capaz de falar em modo significativo às novas gerações, que da rede fazem um dos lugares onde habitam”, afirmou.

No final da sua conferência, o padre Andrea Ciucci deixou três ideias para o futuro:

- apontou a importância de trabalhar nas comunidades em rede, tendo mesmo recordado a estrutura de trabalho das “mesas redondas” no Sínodo;

- salientou também a emergência das “narrativas”, assim como Jesus contava parábolas. Lembrou que “as redes sociais não inventaram a narração de histórias” e que “Jesus é um comunicador narrativo por excelência: conta histórias, parábolas. Narra-se a si próprio e à sua experiência de Deus”;

- assinalou a importância dos “influenciadores” na web. Estes “não são particularmente especializados num assunto, mas dão-lhe o seu rosto”, afirmou. “A experiência cristã sempre se difundiu graças ao testemunho, ao facto de alguém ter dado a cara por ela”, concluiu o padre Ciucci.

As Jornadas de Teologia são uma iniciativa anual da Faculdade de Teologia da UCP.

Laudetur Iesus Christus

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Fonte: Vatican News

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