Francisco passou por aqui
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Rui Saraiva – Portugal
Francisco passou por aqui. Pode muito bem ser o título que podemos usar para descrevermos a sensibilidade pastoral do Papa durante o seu pontificado. Com uma atitude generosa, impregnada de Evangelho e pronta para o serviço, Francisco deixou marca por onde passou.
A casa de Francisco nas periferias descartadas
Sempre com especial atenção aos marginalizados do mundo, tal como fazia em Buenos Aires. Na capital argentina, Bergoglio era visita regular nas “villas miséria” e as pessoas sabiam o seu nome e viam-no como um deles. Conhecia a realidade. E, por isso, quando esteve em Kangemi, um dos sete bairros de lata de Nairobi a capital do Quénia, na sua visita àquele país africano, afirmou estar ali como se estivesse “em casa”.
“Sinto-me em casa, partilhando este momento com irmãos e irmãs que têm um lugar preferencial na minha vida e nas minhas opções, não me envergonho de o dizer”, disse Francisco a 27 de novembro de 2015.
E o Santo Padre denunciou na ocasião, a riqueza concentrada em minorias, enquanto a maioria vive abandonada e descartada. “São as feridas provocadas pelas minorias que concentram o poder, a riqueza e perduram egoisticamente, enquanto a crescente maioria tem que refugiar-se em periferias abandonadas, poluídas e descartadas”, afirmou o Santo Padre.
A simplicidade dos gestos
O luto que vamos fazendo nestes dias pelo Papa Francisco leva-nos, sobretudo, a recordar aquilo que de mais humano e próximo nos tocou. Para além dos grandes propósitos pastorais e políticos estão a coerência do testemunho de vida cristã. Ou seja, para a história da Igreja ficam os documentos ricos e profundos que afirmam valores como a defesa da Criação e a fraternidade humana, em textos papais de grande relevo como “Laudato Si” e “Fratelli Tutti”, mas para a memória de cada um ficam os gestos e atitudes que expressavam o sentir do coração.
Com efeito, desde o primeiro momento que o ritmo acelerado do Papa Francisco foi uma marca do seu pontificado. Com um passo decidido e uma naturalidade desconcertante, o Santo Padre desde o primeiro momento deixou claras várias atitudes que não eram apenas um novo estilo ou formato, mas sinais reveladores do conteúdo fresco do Evangelho.
E, assim, inesperadamente, o Papa Francisco como que desceu na noite da sua eleição da varanda da Basílica de S. Pedro até junto do seu povo, ao qual se inclinou para receber a oração que pede a bênção de Deus. Um momento único, original e inovador que foi um primeiro grande sinal:
“E agora eu gostaria de dar a bênção, mas antes… antes peço-vos um favor: antes de o bispo abençoar o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que Ele me abençoe: a oração do povo que pede a bênção para o seu bispo. Façamos em silêncio esta oração de vós por mim”, disse o Papa Francisco a 13 de março de 2013.
E assim começou a acelerar a dinâmica pastoral pontifícia logo ali: incluiu o povo no seu caminho, dando um registo de normalidade quotidiana ao pontificado. Começando a anular os resquícios principescos da sua função.
Um dos primeiros gestos foi saldar a conta que faltava pagar na Residencial Domus Paulus e aonde se dirigiu logo no dia a seguir à eleição. E os sapatos que usava Francisco já não eram papais vermelhos, mas pretos e… ortopédicos!
E, claro, depois veio a surpreendente decisão de não viver no Palácio Apostólico, mas na Casa de Santa Marta. Uma decisão que arrepiou os mais indefetíveis da formalidade vaticana e do seu regular funcionamento institucional.
A força das palavras
Foi também de palavras intensas, metáforas criativas e pequenas histórias que se fez o pontificado de Francisco. Umas mais fortes e programáticas como “dizer energicamente não a qualquer forma de clericalismo” ou “desmasculinizar a Igreja” e outras bem mais singelas como por exemplo as palavras com licença, obrigado e desculpa.
Estas últimas foram citadas pelo Papa Francisco a 13 de maio de 2015 numa catequese sobre a família. Palavras que, segundo o Santo Padre, podem até ter caído em desuso na sociedade, mas com as quais devemos ser “intransigentes” pois é necessário “educar para a gratidão”, afirmou. A propósito da palavra desculpa ficou para sempre esta expressão de Francisco para os casais: “nunca termineis o dia sem fazer a paz”.
Um outro exemplo são as palavras teto, terra e trabalho que foram sublinhadas pelo Papa Francisco durante o II Encontro Mundial dos Movimentos Populares a 9 de julho de 2015 na sua visita à Bolívia. Uma festa de etnias, cores, cantos, reencontros e, sobretudo, de reivindicações. Os temas do encontro eram três: teto, terra e trabalho, palavras que o Papa considerou direitos sagrados do ser humano e com especial significado para os “descartados” e os “excluídos”.
Recordamos aqui também, com especial destaque, algumas frases que orientaram o pontificado do Papa Francisco e que foram proferidas nos primeiros dias após a sua eleição:
“Quando caminhamos sem a Cruz, quando edificamos sem a Cruz e quando confessamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papa, mas não discípulos do Senhor”. (Missa Pro Ecclesia, 14 de março 2013).
“Não te esqueças dos pobres!'. E aquela palavra entrou aqui: os pobres, os pobres. Depois, imediatamente em relação aos pobres, pensei em Francisco de Assis. É o homem que nos dá este espírito de paz, o homem pobre... Ah, como gostaria de uma Igreja pobre e para os pobres.” (Audiência aos Jornalistas, 16 de março 2013).
“Ele, nunca se cansa de perdoar, mas nós, por vezes, cansamo-nos de pedir perdão. Nunca nos cansemos, nunca nos cansemos! Ele é o Pai amoroso que perdoa sempre, que tem um coração de misericórdia para todos nós.” (Angelus, 17 de março 2013).
“Nunca nos esqueçamos que o verdadeiro poder é o serviço e que também o Papa para exercer o poder deve entrar cada vez mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz”. (Missa do Início Solene do pontificado, 19 de março 2013).
“E por favor, não deixeis que vos roubem a esperança! Não deixeis que roubem a esperança! Aquela que nos dá Jesus”. (Domingo de Ramos, 24 de março 2013).
“Isto eu vos peço: sede pastores com o odor das ovelhas, pastores no meio do próprio rebanho, e pescadores de homens”. (Missa Crismal, 28 de março 2013).
Neste contexto das palavras de Francisco, não podemos aqui esquecer a decisão relevante do Papa de passar a celebrar todos os dias para uma pequena assembleia na Capela da Casa de Santa Marta. Um gesto de proximidade pastoral e de comunicação que, no entanto, nem sempre foi bem entendido.
As palavras e os gestos de Francisco são memória da Igreja e passaram por aqui. Vão também passar pelo conclave que decidirá o novo Papa.
Laudetur Iesus Christus
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Fonte: Vatican News